Preceitos bíblicos norteiam a cadeia produtiva e visão gerar melhores condições de vida no campo. Além de estimular a preservação ambiental.
Na Bíblia o número 12 é representado pela figura emblemática dos apóstolos. Coincidentemente ou não, foi exatamente essa a quantidade de agricultores que aderiram ao programa, ainda embrionário de cultivo orgânico em Santa Maria de Jetibá, município essencialmente agrícola do Espírito Santo. Isso nos idos de 1986. Ação orquestrada pela Igreja Luterana na região, na figura dos pastores: Valdir Weber (em atividade pastoral), Vitório Krause (já falecido) e o Ido Port (hoje aposentado). E cuja principal motivação era já sabido malefício que os agrotóxicos causam à saúde. O tema da igreja anos antes, em 1982, já estava em termos desta questão: “Terra de Deus, Terra para Todos” inclusive alguns estudos, desenvolvidos posteriormente, dão conta que muitos dos suicídios cometidos na região têm como causa do uso indiscriminado destes produtos. Segundo o pastor Ido Port, “o uso desordenado de agrotóxicos, fruto de uma miopia em termos de conhecimento, encontrava terreno fértil aqui pela falta de parâmetros reflexivos para a parte dos agricultores, em sua maioria analfabetos.”
Imagem: Sede das primeiras reuniões com agricultores orgânicos de Santa Maria de Jetibá/ES.
Hipocrisia
Ainda segundo Ido Port, “a hipocrisia em termos de conhecimento que impera no meio rural é uma das questões que mais preocupa a igreja”. E talvez justamente por isso essa mudança não tenha ocorrido de maneira tranquila, apesar de ter havido uma grande adesão dos agricultores. Muitos deles eram “hostilizados pelos vizinhos de sua propriedade, os responsáveis pelo transporte das mercadorias eram ameaçados, quando não boicotados pelos próprios parentes.” Isso acabou desestimulando muitos agricultores.
Imagem: Pastor Emérito Ido Port (IECLB)
No entanto, decorridos mais de 20 anos, a agricultura orgânica no município vem ganhando espaço na economia municipal. Sempre pautada por preceitos instituídos pela Igreja, anos antes, “trabalho limpo, com vistas na preocupação ambiental, embasada em premissas cristãs de amor ao próximo, dando ao colono pagamento justo pelo seu trabalho.” Essa nova filosofia, antagonicamente ou não, surgiu na Alemanha e se baseia no famoso tripé: preocupação social, econômica e ambiental. Mesmo por que o veneno, largamente utilizado no Brasil na agricultura convencional, vinha da Europa. Mas, como bem frisa Port: “Lá o clima é o outro e o método de trabalho também. E eles se deram conta de que os defensivos agrícolas, que eles exportavam para cá, acabavam voltando para sua nação em forma de frutas e verduras e isso estava adoecendo a população.”
Uma das pessoas envolvidas na “questão da agricultura orgânica” desde as primeiras reuniões, e que até hoje trabalha com produtos orgânicos (produzindo ervas medicinais e morango), é a agente de saúde Selene Hammer Tesch. Ela conta que um dos lemas defendidos pelos pastores na época era: “Plantar sem matar, comer sem morrer”. Isso por que muitos agricultores sofriam efeitos colaterais pelo uso desenfreado de agrotóxicos, quando não morriam. Dos preceitos aprendidos por ela o principal é “respeitar o ciclo da planta”. Bem como “cuidar melhor da terra e, por tabela, da própria família produzindo produtos mais saudáveis e, assim, cuidar também de outras famílias”. Reside aí toda uma filosofia cooperativa. Inclusive, também foi criada uma Cooperativa para resolver questões burocráticas ligadas à Associação Amparo Familiar, da qual ela faz parte, sendo que o maior contingente de produtores orgânicos de Santa Maria de Jetibá é dessa Associação, localizada na região de Alto Santa Maria. Tem outras Associações, a Apsad-Vida, que é a mais antiga do município com cerca de 24 associados. A produção orgânica é comercializada, basicamente, em feiras livres, tanto na própria cidade quanto fora, sendo que na Grande Vitória é que se localizam as quatro mais importantes, em Barro Vermelho (Vila Velha), Praça do Papa (Vitória), Jardim da Penha (Vitória) e Terceira Ponte (Vila Velha). O escoamento para grandes atacadistas ainda é inviável pelos altos custos envolvidos na divulgação necessária. Selene relata que boa parte da produção se destina á merenda das escolas municipais e da Grande Vitória, que “estão preocupados com o que os jovens põem no prato”. É fato que a Igreja Luterana foi e continua sendo defensora e garantidora, em vários momentos históricos da colonização do Espírito Santo, de melhores condições de vida dos colonos imigrantes e de seus descendentes. Apesar disso e do número de propriedades que trabalham com as premissas da agricultura orgânica ter aumentado, havendo 68 agricultores certificados na região de Alto Santa Maria, nem sempre eles vivem a ideologia proposta. “Ao aderirem à essa nova prática busca-se muito mais o retorno financeiro e não a preservação ambiental,” assinala Pastor Port.
Imagem: Selene Hammer Tesch, produtora orgânica de Alto Santa Maria/SMJ/ES.
O certificado emitido pelo Instituto Chão Vivo, antiga Associação Chão Vivo, que atesta que os produtos são orgânicos, é emitido em consonância á com a Lei Federal 10.831, que regulamenta a plantação orgânica no país. É extremamente rigorosa a inspeção pela qual a propriedade passa antes de ser “certificada”. Questões adjacentes, como ter propriedades no entorno cujo manejo não seja orgânico, é um dos empecilhos impostos pela legislação, bem como a propriedade de destinação de esgoto sanitário apropriado em fossas sépticas.
O Instituto capta seus recursos junto aos agricultores através do pagamento de uma taxa anual que lhes é, em parte, transferida em forma de assistência rural. O certificado é emitido após 60 dias decorridos da inspeção á propriedade Admir Rossmann, que já foi Secretário de Agricultura do Município durante 4 anos e Presidente da Associação Chão Vivo, de 2007 a 2009, conta que o que motivou a ida da família para o plantio orgânico foram questões ligadas à saúde. O pai dele, hoje com 69 anos de idade, já teve problemas decorrentes do uso de agrotóxicos quando eles ainda eram meeiros na região de Itaguaçu. A aquisição das terras em Santa Maria de Jetibá no ano de 1986, pela família Rossmann, foi a oportunidade que faltava rumo a este plantio e mercado, até então desconhecidos, que hoje se mostra bastante promissores. Além disso, teve também o enfoque da preservação ambiental, que tem sido cada vez maior, e que cada vez mais vem gerando políticas públicas governamentais aplicadas ao setor.elo Instituto Chão Vivo, antiga Associação Chão Vivo, que atesta que os produtos são orgânicos, é emitido em consonância á com a Lei Federal 10.831, que regulamenta a plantação orgânica no país. É extremamente rigorosa a inspeção pela qual a propriedade passa antes de ser “certificada”. Questões adjacentes, como ter propriedades no entorno cujo manejo não seja orgânico, é um dos empecilhos impostos pela legislação, bem como a propriedade de destinação de esgoto sanitário apropriado em fossas sépticas.
Imagem: Patriarca Armildo Rossmann.
Políticas públicas
O atual Secretário de Agropecuária Manfredo Krüger, disse que o Governo Municipal subsidia o trabalho desenvolvido pelos produtores orgânicos “oferecendo parceria logística, ou seja, cedendo material para construção de fossas sépticas (exigência feita pela Chão Vivo para dar a certificação á propriedade), estufas, cacimbas, etc.” O município é referência em se tratando de agricultura orgânica, tanto em termos de organização e em números de produtores, que hoje são cerca de 89, quanto no volume produzido que é algo em torno de 3 mil toneladas por ano. A agricultura orgânica representa 1,5% da produção total do município, enquanto que a agricultura convencional produziu cerca de 152 mil toneladas em 2012, segundo dados do CEASA. Portanto, “a participação é pequena em termos quantitativos.” Por isso ela recebe cada vez mais incentivos através do Governo Municipal que mantém uma parceria com SEBRAE/ES através de um programa cujo objetivo é o de auxiliar os agricultores de produtos orgânicos. Manfredo salienta que um dos grandes problemas enfrentados por quem busca a certificação da propriedade é o recurso hídrico utilizado na irrigação da plantação. Apesar de o município ser rico em água, boa parte dela está contaminada, “principalmente por conta do esgoto não tratado, que corresponde a 50% do problema, e não, necessariamente, pelo uso de agrotóxicos nas lavouras.”
A convite do Pastor Valdir Weber, o produtor Admir Rossmann veio a fazer parte de um projeto idealizado pela Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – (IECLB), o Centro de Técnicas do Pequeno Agricultor – (CETAPA), que funcionava com contrato de comodato com a Paróquia, mostrando na prática o funcionamento da agricultura orgânica. Havia também todo um subsídio técnico, mas voltado até então para o manejo de hortaliças, de maior demanda da região. Aliás, essa mesma denominação religiosa foi responsável por idealizar diversas outras ações, a nível estadual, nacional e mesmo internacional, no combate à degradação ambiental. Admir Rossmann é um pioneiro no município de Santa Maria de Jetibá, no que diz respeito à agricultura orgânica, isso por que foi ele o primeiro a planta café orgânico na região, ainda hoje o carro chefe de sua propriedade. E colocou a própria propriedade à disposição para pesquisa. Idealista e entusiasta desse segmento, no que tange ao escoamento da produção, ele é categórico ao afirmar “que a CEASA é um ponto meramente político, pois os atravessadores acabam ficando com grande parte do lucro dos pequenos agricultores”. Admir trabalha principalmente com a venda direta, assim como os demais, em feiras livres no Estado, e também no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Brasília, que são alguns de seus mercados consumidores. Boa parte das vendas também se faz pela internet. No setor cafeeiro, no início, não havia mercado consumidor interno, por que nessa época não havia uma ideologia nacional de qualidade em termos de café. Prova disso é a título de informação o Brasil está entre os 40% de países que consomem café de péssima qualidade. Isso tem levado o escoamento da produção, a nível internacional, por meio de venda direta, de 2006 a 2009. “O plantio de café na região de Santa Maria de Jetibá só é possível através de boas práticas de produção, agregando valor ao produto e uma grande preocupação ambiental”. Tanto é assim que a baixa no preço do café convencional, que hoje se verifica no mercado, não atingiu o nicho que Admir atende, bem pelo contrário: “a demanda tem crescido é o preço também”. Recentemente ele se associou a uma entidade local que promove reuniões mensais e visitas a associados, visando discutir e trocar experiências neste segmento, a Associação de Produtores Santamarienses em defesa da vida – “APSAD- VIDA”.
Imagem: Sítio Rossmann: Plantação de Café Orgãnico.
Ao longo da história, diversos foram os projetos implementados na região. Atualmente o SEBRAE/ES auxilia estes agricultores bancando 90% dos custos da Certificação Orgânica, ficando a cargo dos produtores o custeio de apenas 10% do valor. Este projeto vai até 2016. O sítio Rossmann conseguiu este Certificado apenas no ano de 2002, tendo iniciado o processo, bem antes, em 1993. Admir explica que “o que encarece a produção orgânica é a mão de obra. No em tanto o agricultor acaba economizando em outras questões, uma vez que não se faz uso de pesticidas e nem ha necessidade de comprar em insumos agrícolas”. Aliás, outra exigência da Chão Vivo é a regularização dessa mão de obra. Quando questionado se a área orgânica é o meio promissor ele foi enfático ao afirmar que sim, tanto é que hoje ele tem vislumbrado novas possibilidades de ganhos. Desde a promoção de palestras a estudantes de agronomia e cursos afins, até à adesão a novos mercados como a agroindústria. Atualmente ele empacota (começou em 2006) o café produzido em sua lavoura e a Coope-avi realiza a pila. Esta empresa é credenciada para esta função e obedece também a um rigoroso processo de fiscalização. Outros órgãos reguladores das atividades orgânicas no país são o Ministério da Agricultura (Mapa) e o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro).
Outro selo oferecido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, é o da agricultura familiar, este com validade de 5 anos. Nas palavras do próprio Admir “tudo na propriedade está interligado, é parte de uma mesma engrenagem”. A criação de gado leiteiro é um bom exemplo, pois gera entre outras coisas: “adubo natural para lavoura e fornece um elemento chave na pulverização, a urina animal”. Ele também é contrário ao uso de maquinário pesado na cadeia produtiva, tendo em vista que ele causa erosão do solo e consequentemente assoreamento dos rios, isso por que o trator e o micro trator criam um solo tão compacto que impossibilita o acúmulo de água. Outra coisa que não se vê por ali são caixas secas na lavoura, para armazenamento de água. No entendimento do agricultor “é preciso antes de qualquer coisa investigar as causas do problema a fim de saná-lo e não pensar tão somente em medidas imediatistas”. A preocupação ambiental é latente, tanto que 5,5 hectares são de mata nativa, outros 0,5 hectares são de área de reflorestamento.
Imagem: Admir Rossmann em sua lavoura de café.
Ele também cultiva o palmito Jussara, popularmente conhecido como o palmito doce, que está em vias de extinção. O melado advindo da lavagem do café também é reutilizado para adubação do solo, jamais lançado no rio, pois provocaria a morte dos peixes pela supressão de oxigênio. Uma maneira inteligente de administrar a lavoura. A técnica em agricultura orgânica Rafaela Tesch, filha de agricultores orgânicos e assistente do Secretário de Agricultura explica que “é maior o número de adesão a este tipo de manejo do que o abandono, apesar de toda a dificuldade encontrada no processo de certificação.” Cada propriedade orgânica produz em média 40 tipos de leguminosas, inclusive, essa é uma característica peculiar a este tipo de agricultura: “maior variedade de produtos e menor quantidade”. Santa Maria de Jetibá conta com uma Escola Família Agrícola que visa à formação de técnicos em agricultura orgânica em três anos, que fica localizado em Garrafão, a Escola Família Agrícola de São João de Garrafão.
Em se tratando de agricultura convencional o Secretário de Agropecuária citou algumas medidas propostas no novo Código Florestal que beneficiaram, e muito, os agricultores locais e que visam a preservação ambiental. O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um bom exemplo, bem como, o Plano Ambiental Rural (PAR), graças a ele 70% dos agricultores saíram da irregularidade, isso por que a área de preservação ambiental em pequenas propriedades, que são a base da economia local, não contava com reserva exigida em lei (20% do total). “E, ao contrário do que muita gente pensa, isso não estimula o desmatamento. Pelo contrário, pois a área cultivada deve estar a 5 metros do leito dos rios”, opina o Secretário. No entanto, no entendimento de Manfredo, “ainda falta mais planejamento no meio rural e menos trabalho. Bem como agregar valor ao produto, processando-o, e uma melhor logística no seu escoamento, evitando perdas com distribuidores e/ou atravessadores que ficam com boa parte dos lucros. E isso passa por uma mudança de ideologia Nacional. Já que o clima, entre outros fatores, privilegia a nossa região.”
Texto: Noriana Seefeld Behrend
Fotos: Noriana Seefeld Behrend e Hilquias Rossmann
Imagem: Produtos Orgânicos (Extraído do site da INCACAPER)